terça-feira, 14 de agosto de 2012

Conto 3 - Diários esperados.

Parece estranho, mas dessa vez,
Dedico esse texto a mim mesmo,
com um ar de esperança,
com um som de mar...

Diários Esperados


Dia 7 de janeiro, 2022
.
Gostaria de começar falando um pouco da data, a qual escrevo tudo isso, hoje. Sei que é dia 7 de janeiro porque o réveillon foi na semana passada. Do contrário, ainda acharia que estivesse em Dezembro ou em qualquer outro mês, dia, até mesmo, qualquer ano. Parei de contar tudo isso, porque não fazia mais sentido para eu contar os dias, afinal, eu não tenho dia de pagamento, ou tenho que levantar cedinho para ir trabalhar em algum lugar. Mas isso não quer dizer que eu não tenha um pouco de dinheiro ou um trabalho, na verdade eu os tenho, sim, mas posso os fazer por minha conta. Se eu fosse julgar o dia, mês e ano pelo comprimento de meus cabelos, que caem com tranças castanhas, dreads e ornamentos com penas nas minhas costas, eu diria que estamos em julho de 2035 e foda-se o dia, não iria precisar dele.
        
       Porém, antes de continuar com isso, para passar um pouco de como foi meu dia, eu quero esclarecer os detalhes de como eu sobrevivo. Sou escritor já faz 9 anos. Na verdade, faz 9 anos que eu publiquei através de uma editora gratuita meu primeiro livro, pois considero que sou escritor desde que nasci, e freqüentava a escola, no interior do Estado de São Paulo. Em suma, eu sempre escrevi, e o faço porque amo, acima de, inclusive, ganhar dinheiro – esse pedaço de papel com um número que só faz sentido porque todos resolveram dar sentido a ele, e é o maior causador das desgraças do ser-humano, como uma intolerância religiosa, ele mata mais do que faz sobreviver. Acho importante detalhar isso, afinal foi exatamente essa filosofia que me fez largar tudo e vir morar com minha linda companheira no litoral, longe da civilização tóxica de monóxido de carbono que putrefaz todo aquele povo “civilizado”. Mas, mesmo assim, eu necessito do dinheiro, infelizmente. E tento burlar a sociedade capitalista como faz um artesão de pulseiras, colares, esculturas – aliás eu os faço também.        Eu estendo um pano no chão – às vezes entro na cidade para fazê-lo, quando a coisa pega – e os vendo por R$ 5,00 para crianças, R$ 20,00 para adultos, e em algumas ocasiões deixo a mercê do futuro leitor, pagar quanto ele quiser e então se o preço for generoso, dou uma pulseira ou colar de brinde.
        
Citei logo atrás, que vim com minha companheira para o litoral. Ela praticamente mora no hospital e não, ela não está doente, ela é médica, pode crer? Eu a amo desde minha passada adolescência, quando começamos a namorar, eu tinha dezoito e ela catorze, hoje, dez anos depois eu tenho 27 (pois faço aniversário somente em abril) e ela 23, por fazer aniversário em outubro. Não somos casados por nenhuma instituição que decrete isso, somos única e exclusivamente (com direito a risos e uma batida de bateria), “amorados”, que foi uma palavra que criei para melhor distinguir o fato de nos amarmos e estarmos juntos sem escrúpulos morais, institucionais ou sociais metendo o bedelho no meio. Fiz um trato com ela. Ela moraria na mesma cidade que eu, trabalhando no que se formou, às vezes dormindo num hospital ou na casa de alguém e viria me visitar na praia quando pudesse, quando quisesse, quando sentisse saudades, porque, afinal, eu não tenho uma casa. O mundo a é para mim. Moro na casa dos bobos, número zero. O mar que nesse momento da noite, manda furiosas ondas banhando a margem da areia, a areia abaixo de meu corpo está tão fria como o céu pouco estrelado lá em cima, e essa brisa de chuva e o ar salgado. Isso é minha casa e vivo assim. Não há problemas de desconfiança perante ela por minha parte. Porque, afinal eu a amo e basta para mim estar com ela e eu não posso ser traído, afinal, trata-se de um amor livre. Dá para sacar isso? Não tem problema se não der, às vezes nem mesmo eu entendo como funciona minha cabeça maluca.
        
        
Acho que já dei explicações o suficiente para demonstrar como eu vivo e sobrevivo. Então, tratarei de resumir meu dia nessas letrinhas ao começar pela hora que despertei.
        
Eu como quase sempre, me abrigo em baixo daquelas barraquinhas que vende coco, sabe? Conheço o dono e ele não tem problemas em me deixar lá. É leitor de meus livros e eu troco o abrigo por satisfazê-lo nas leituras diárias, que ele considera bem divertidas.
        
Hoje acordei com a porta da tenda abrindo. Eu tinha fumado um bec para dormir à noite e acordei ainda um tanto lesado, o THC fluindo no meu corpo. Dei bom dia, ao dono, me retirei da tenda e fui me aconchegar com meu cobertor na areia, o sol, aos poucos, estava esquentando o dia, nascendo no horizonte, uma bola de fogo laranja, pálida, desenhando um reflexo turvo na água. Observei isso por alguns minutos, não, na verdade, por alguns segundos e voltei a dormir no agradável som das ondas, no fresco calor do sol, na macia areia abaixo de mim. Dormi, e como me acontece desde 2012, sonhei com algumas coisas bizarras que agora não me lembro, mas que era bom sonhar.
        
Fui despertar novamente quando o sol já incomodava e já havia diversas pessoas visitando a praia. Nessa altura do ano, a praia é bem movimentada, e consigo vender mais que o normal os livros que escrevo, e os artesanatos que faço, consigo comer melhor e faço várias amizades com pessoas de muito longe, ou muito perto.
        
 Levantei e tratei de ir tomar um banho de mar, deixei minhas coisas na tenda, no cantinho, retirei minha roupa e entrei na água. Ainda estava um pouco fria, mas uma delícia mesmo assim. Fiquei por alguns minutos por ali, me salgando, me banhando. Saí do mar, me sequei, vesti roupas limpas, peguei minhas coisas, andei por uma área mais movimentada da praia, cumprimentei o salva-vidas, que queria muito ser advogado, estendi o pano, coloquei os trampos em cima e aguardei. Uma tática para chamar atenção, que eu uso, é pegar o violino e tocar alguma música, as pessoas ficam observando, e imaginando o que diabos um doido barbado, com cabelos enormes nas costas, com uma roupa surrada faz tocando melodias na praia. Eu geralmente pego o violino ou uma flauta que consegui de um camarada que sobrevivia assim como eu, longe da sociedade, e toco uma música alegre perambulando em volta dos meus trampos. A galera curte isso e se aproxima. Alguns deixam moedas, e os mais generosos largam notas de 10 reais. Os que largam notas de 20, dou algum presente de gratidão.
        
Vieram uns adolescentes alguns pais com suas crianças ouvir de perto eu tocar. Quando parei, eles aplaudiram e fiz uma reverência a todos eles.
        
- Obrigado, obrigado – disse eu em meio às palmas. Geralmente faço um teatrinho, para soar mais carismático. – Ora, prazer em conhecê-los! – digo eu cumprimentando cada um deles, com a mão. – Eu me chamo Klaus e estou direto por aqui. Fiquem à vontade, podem pegar na mão se quiserem, os livros foram eu que escrevi, vocês podem pagar o quanto quiserem neles, com um preço mínimo de 5 reais, e máximo de 20 para não assustar o freguês – digo eu e solto uma risada.
        
Eles começam a olhar os trampos. Uma adolescente vestida de biquíni, enrolada numa toalha veio até nós, provavelmente a namorada do adolescente que estava passando as mãos nas pulseiras. Ela se aproximou eu fiz menção em dar as boas vindas para ela.
        
- Pode tirar o livro do plástico se quiser. Eu encapo eles para não sujar de areia. Esse que você está na mão, se me permite dizer, foi meu primeiro livro, comecei a escrevê-lo quando estava no segundo colegial e o terminei no segundo ano da faculdade. É um conto de fadas... Imagine você, uma rainha, há muito tempo atrás, que de tão branca, tão branca acaba por desaparecer.
        
- Nossa – disse ela. O garoto levantou e perguntou quanto ficava uma pulseira verde, azul e branca, eu disse que quatro reais, mas fazia por três, mas se não tivesse trocado fazia por dois. Eu sempre faço isso, é uma maneira de vender. – Ou se quiser – completei para ele – pode me comprar um almoço e te dou a pulseira e um livro. Sabe, brother, é assim que eu sobrevivo, pode crer?
        
        
Os adultos também me observavam, e olhavam os artesanatos.
- Vou ficar com esse colar, quanto é? – perguntou-me a mulher com aquela saia leve, florida.
- Fica dez reais essa, mas faço por 5. Eu sempre coloco um preço máximo e um preço mínimo, sabe? Pague quanto quiser por ela.- Abro um sorriso. O silêncio toma o lugar, mas não posso deixar o clima esfriar. – Parece que vai chover, hein? Vocês são de onde?
Agora não me lembro direito de onde eles vieram, mas sei que visitei, já, a cidade de dois deles.
- Oh, sim. Que massa. Estão só passando as férias para cá? Dando uma curtida? Pegando a onda?
- Tomando uma cervejinha e vendo a mulherada – me responde o adolescente, que me dá o dinheiro da pulseira. Dou um sorriso, a menina fez uma careta ao que ele disse isso.
- Vocês são irmãos?
- Aham – disse ela.
- Ah, pode crer – e solto outra risada. – Por um instante achei que fossem namorados, fiquei até meio receoso de te elogiar. Você é linda.
Ela enrubesceu um pouco, porque não esperava isso. Então me prontifiquei a retirar o duplo sentido.
- Não to dando em cima de você, eu tenho o amor da minha vida, só estou dizendo porque você é mesmo.
Dessa vez ela abriu um sorriso:
- Obrigada.
- De nada – respondi prontamente com um sorriso.
A mulher me deu os dez reais do colar.
- Muito obrigado, vai salvar meu dia hoje com o almoço.
Logo menos, todos se distanciaram. Percebi que o céu estava começando a ficar cheio de nuvens brancas, não iria chover, ainda. O sol estava na altura que julguei ser onze e meia, atrás das nuvens, dando um clima confortável e voltei aos afazeres do dia.
Fiz quatro pulseiras e cansei. Me levantei estiquei o corpo e voltei a tocar para chamar atenção. Geralmente, a essa hora do dia, a praia fica um pouco menos cheia, por causa do almoço e por causa do apogeu do sol, que é mesmo, muito insuportável. Mas, como ainda havia pessoas por lá, resolvi voltar à atração do meu ganha pão, que Jah, me proporcionou.
Antes de prosseguir, aproveitando a deixa de que mencionei Jah, gostaria de falar um pouco sobre minha fé.
Desde os quatorze, para quinze anos, parei de acreditar em deus, porque era apenas uma herança familiar. Meus pais eram evangélicos e nasci e fui criado dentro da doutrina cristã, porém, sempre fui cético quanto ao maravilhoso, quanto aos milagres, e pesquisei fatos, que comprovassem a existência de tudo aquilo. O resultado foi meu ateísmo, pois, não tenho fé numa divindade, em algo que só pode ser acreditado vindo no cerne pessoal de cada um, se é que consigo explicar isso. Não há, até onde eu saiba, qualquer comprovação de que Jesus realmente tenha existido, muito menos, portanto, de que ele tenha feito milagres e muito menos portanto de que ele era filho de deus, e muito menos portanto de que deus existe. Para mim, é plausível tudo isso, o que ficou ainda mais claro, quando me formei em história, há alguns anos atrás.
Jah, para mim, existe, num plano metafórico, saca? É o folclore de todos que curtem dar uns pegas num baseado. Apenas isso. Sem prostrações de joelhos, sem hierarquia, somente eu e Jah, Gaia, a natureza que me dá um lar.
Mas voltando ao meu dia, vendi um livro, três pulseiras, dois colares e resolvi ir comer alguma coisa. Fui até a tenda que uso para dormir, pedi um lanche, voltei para onde meus trampos estavam e fiquei comendo por lá. Como estava um calor do caralho, voltei e pedi para o dono da tenda um guarda-sol emprestado. Eu pegava tanto aquele guarda-sol, que ele logo menos, me daria ele, para não ter que ir ficar pedindo todos os dias.
Fiquei curtindo o dia, fiz dois apanhadores de sonho, toquei mais um pouco e consegui vender outras duas pulseiras, com uma mensagem gravada. Embora eu não acredite em deus, eu faço uns trampos com mensagens bíblicas para conseguir vender mais e consigo com isso.
Mais para o começo do fim da tarde, umas 16h00, sou surpreendido pela mulher mais linda de todas vindo até minha barraquinha.
- Oi – disse ela, estava usando um vestido florido, que ia até o pé, levava consigo uma mochila pesada, provavelmente trouxera consigo uma barraca, porque ela odeia dormir na areia às vezes.
Só a voz dela fazia meu corpo estremecer de ansiedade. Me virei e  a vi, levantei e dei um abraço bem forte nela.
- Como você está? – perguntei.
- Bem. E você? – me disse ela.
- Ótimo! Melhor agora. Vendi algumas coisas hoje.
- Você comeu?
- Aham. Quer me dar uma forcinha ou você já precisa ir?
- Não. Eu vou ter a semana de folga. Quero ficar com você.
Abri um sorriso. Cara, ela não sabe o quanto ela consegue me deixar feliz.
- Sente-se – disse para ela.
Ela se sentou ao meu lado e pediu as linhas para me ajudar a fazer mais algumas coisas.
- Só se você me der um beijo.
Ela se aproximou e beijou meus lábios, a beijei mais vezes, e dei um beijo de língua nela. Assim que paramos, tinha um homem na nossa frente olhando as coisas.
- Opa! Pois não. Fique à vontade.
- Oi – disse Isabelle.
Passei as linhas para ela e ela começou a trançá-las.
- Quanto que fica essa pulseira? – ele apontou para um bracelete verde, vermelho e amarelo, com um símbolo da paz .
- Faço por dez, brother, mas se ficar muito caro faço por sete, e se ainda ficar caro deixo por cinco.
 Ele estava sem camisa, apenas utilizando uma bermuda, e usava óculos escuros, tinha o cabelo preto, com um sotaque local. Retirou uma carteira de couro sintético do bolso inferior da bermuda – que estava um pouco úmida e me deu sete conto.
- Aí sim, hein? Quer que eu amarre, brother?
- Não. É para meu filho.
- Pode crer. Como é seu nome?
- Marcos.
- Prazer marcos. Aquele abraço. Paz de Jah.- disse eu fazendo o gesto da paz com as mãos.
- Tchau – disse Isabelle, saindo do transe que estava, na metade da pulseira.
- Ah, que bom que você veio – disse eu para ela. – Estava com saudades, já.
- Eu também estava com saudades – disse-me ela. Me aproximei e dei outro selinho nela.
A praia ao redor de nós estava mais cheia, o sol não estava tão carregado, algumas crianças se banhavam no mar. Olhei para minha esquerda e vi o pessoal desmontando a rede do vôlei, e vi algumas famílias reunindo as coisas para deixarem a praia.
Aproveitei a oportunidade, e fui tocar mais um pouco para atrair aqueles que perambulavam por lá, a caminho da cidade.
  Eu sempre toco ou uma música linda, ou uma música agitada, às vezes toco um Led Zeppelin e consigo atrair uma galera legal, que inclusive curte ler. Dessa vez, vieram uns caras, dois deles tinha os cabelos compridos e um terceiro estava com uma prancha grande.
- E aí moçada. Só dando uns roles, curtindo as ondas?
- É! Curtindo a praia. – falou um deles. – Curti o som.
- Led manda, né? Eu to ligado. Às vezes colam uns malucos aqui com violão, a gente manda um som, fuma um bec, pode crer?
Eles deram risada.
- Pode crer – me disse o mais cabeludo.
- Vocês fumam?
- Eles fumam, eu não. Falou o outro cabeludo apontando para o surfista e para o cara ao lado dele.
- Pô, achei que os dois cabelo que curtiam. Querem fumar um agora? Ou tão suave?
- Bora, então! Acende aí.
Convidei eles para sentar. Na praia é a coisa mais suave do mundo fumar um. Às vezes encanam por cauda das crianças, mas como o bagulho já ta descriminalizado, perto de legalizar, a gente dá um trato, saca?
Acendi um que tinha pronto na noite anterior. Puxei alguns pegas passei para Isabelle, ela deu uns pegas e prosseguiu a roda.
Geralmente, quando estou chapado, me torno um protetor da sociedade comunista, e parto para cima do capitalismo. Comecei a conversar com eles sobre as injustiças do mundo, sobre o amor prevalecer, sobre o que me fez largar o mundo hipotecado e viver na natureza, todo o discurso que a Isabelle estava cansada de escutar desde quando começamos a namorar, porém com algumas opiniões mais amadurecidas. Falei para eles que eu sou formado, que sou escritor, mostrei os livros para eles, peguei o bec e me silenciei um instante, a fumaça subia preguiçosamente, zanzando junto aos tufões que iam em sentido contrário ao mar, subindo a densa fumaça perfumada.
- Pode crer? – falei prensando a fumaça, passando o bec, para sua segunda volta na roda. – Mas deixa disso, o negócio agora é curtir a brisa, né amor?
Ela soltou a fumaça pelo nariz. Eu ri da cara ela e os caras riram também. Na terceira volta, o camarada cabeludo se serviu do bec.
- Aí, desculpa perguntar, mas qual é o nome de vocês?
Eles ficaram me olhando.
- Vocês ainda não me disseram seus nomes, né? Se sim, desculpa, porque eu já to muito louco.
Eles riram.
- Ainda não.
- Menos mal – disse Isabelle.
- Meu nome é Pedro – falou o cara da prancha. – O dele é Cauã, e ele é o Edmundo.
- Como?
- Edmundo.
- Eu que devia me chamar Edmundo. Porque eu sou do mundo. Ráá – dei risada da minha própria piada ruim. Eles riram junto. Eu estava muito chapado.
- E o seu nome como é? – me perguntou o Edmundo, eu acho, ou teria sido o Cauã? Enfim.
- Meu nome é Klaus, prazer. O dela é Isabelle.
- Prazer – disse ela.
O bec acabou e deixamos a ponta pra Jah. Já estava perto das 18h00, o sol se pondo e os caras estavam com uma preguiça de irem embora.
- Fiquem aí, trocando idéia. – disse eu.
- Precisamos mesmo ir.
- Ah, pode crer – falei me levantando, Isabelle se levantou comigo para se despedir dos camaradas.
Pegueis três pulseiras e dei uma de presente para cada. O Pedro, se não me engano, o cara da prancha, me deu cincão e eu disse que não precisava, mas ele insistiu, e fiquei com a grana do cara. Aquilo pagaria o bec, talvez. Não sei ao certo porque ele me deu a grana. Me despedi deles com um abraço e cada um e um forte aperto de mão.
- Colem aí amanhã. Estarei... –olhei para Isabelle que se despedia de um dos cabeludos – Estaremos aqui amanhã, amanhã, hien?
Aí eu conto para vocês a história dos meus livros, e quem sabe vocês não curtem e levam um.
- Pode deixar. Amanhã colaremos aí com uma grana.
- Demorou, então, brother. Fiquem na paz. Prazer em conhecê-los.
Eles foram embora, e o dia estava começando a ir embora. Embrulhei tudo e ainda continuamos ali no nosso espaço vendo o crepúsculo. Senti uma pontada de emoção e meus olhos se umedeceram mais que o normal, eu não iria chorar, mas estava emocionado.
- Se lembra quando a gente imaginava viver isso juntos, quando a gente começou a namorar?
- Aham... – ela me disse.
- É tudo real... – eu falei e fui me abraçar junto com ela. Cheguei para perto de sua orelha e repeti: - é tudo real. – Dei um beijo no ombro dela e ficamos ali. Ela olhava para o nada como tinha maneira de fazer desde que a conheci. – Agora você tem uma desculpa para esse seu estado meditativo – disse a ela.
- Como assim? – ela me perguntou.
- Você pode olhar o sol se por, acho que foi para isso que você tem essa coisa, é para ver o sol se por, ou o sol nascer.
Ela deu um sorriso silencioso. Continuei abraçado com ela. E a apartei. Ela virou o rosto para mim. Seus olhos castanhos eram tão precisos, tão exatos, que não negava ser uma cirurgiã. Dei um beijo nela de língua, e nos deitamos na areia.
Depois comemos algo que ela trouxe, porque ficamos com uma baita de uma fome, comi duas maçãs e ela um lanche com pão francês, o qual dei algumas mordidas. O tempo passava lentamente quando eu estava com ela, mas com uma intensidade assustadora.
Acabamos de fazer amor. Ela está deitada ao meu lado dormindo agora, porque estava um pouco chapada. Aproveitei a brisa e comecei a escrever essas páginas que já passam do limite. Já devem ser meia-noite, minha mão está doendo, a lua se paira no céu, minguante ou crescente, não tenho certeza, o mar engole mais a praia que o comum, e já é hora de dormir. Vou acordar Isa e vamos montar a barraca que ela trouxe. Porque, amanhã é mais um dia para se curtir a liberdade.

Boa noite. 

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Conto 2 - Lucidez


Dedico este conto 
  para Yasmin Fragomeni 
e obrigado por tudo.
Sid, não sei se vai gostar, 
mas vai para você também.

1
É possível estar em dois lugares ao mesmo tempo?

Ana Rita tinha apenas quatro anos quando sua mãe perdera o movimento das pernas depois do “acidente na escada” na ausência de seu pai. Na ausência de consciência de seu pai, aquele filho de uma puta. Na verdade, ele sabia exatamente o que fazia, mas precisava de um impulso para dar-lhe a desculpa do motivo. A porta perdera o pino da dobradiça inferior, porque estava enferrujada, Rita (hoje em dia ela é somente chamada assim) mexia na aba do vestidinho encardido de sua boneca Yasmin até dormir sentada no chão da cozinha, com os olhinhos irritados, por causa do cheiro forte de alho sendo refogado para a janta. Yasmin presenciara tudo em silêncio, mas ficou estática jazida no chão olhando o teto vazio, com seus olhinhos azuis de plástico, o esquerdo um pouco mais gasto, entreaberto.
                Hoje em dia não se tem conta de quantas pessoas como Rita Astley existam, talvez porque a população em geral nem saiba como é alguém como ela, mas Rita sabe que existem outros indivíduos, porque sonhou com eles (alguns deles), entretanto, todas essas pessoas “ilusio-criativas”, como eles se auto-denominam, tem um tempo muito relativo de vida, então não se pode ter certeza de quantos nascem ou morrem com o dom (dom ou carma?) desenvolvido. Verdadeiramente caótico,  caótico, literalmente como um sonho. Não há como acrescentar, não há como diminuir a vida, a não ser que... Ela não conseguia se lembrar da resposta. O cérebro tem grande facilidade de excluir informações as quais os sonhos nos dão, simplesmente descarta como dejeto de imaginação, mas ela precisava recuperar a resposta.
                Yasmin era uma bonequinha que cantava várias musicas diferentes e isso ainda funcionava (e também o brilho com os leds azuis que se acendiam quando se apertava o botão), porque o vovô consertara com aquele ferro que não pode mexer e dera mais de trinta pilhas daquelas redondinhas para ela poder trocar sempre. A voz passara a ser assustadora, ficara grave, falha, como se houvesse alguém a chacoalhando, com interferências, depois que Ana Rita insistira em levá-la para o banho e isso causou mal contato nos fios, os leds queimaram, mas às vezes faziam contato e tocavam no meio da noite: Aquele silêncio que até conseguimos ouvir nossos órgãos internos, e no cantinho do quarto no breu imaculado, ao lado da cômoda, Yasmin saíra de sua naninha (como naquele dia em que ela perdeu, perdeu, PERDEU, o movimento das pernas) piscando os olhos, grunhindo como um porco, tossindo, emitindo frases desconexas e palavras jamais escutadas “Tr-ilei matsvcrosh evarr pujstcri”. Papai avisara que se desobedecesse, o Homem do céu a castigaria. Rita tentara responder, mas as palavras ficaram entaladas em garganta como se houvesse engolido pedras, na verdade, como que se fosse vomitá-las, ela chorava e ia dormir com sua mãe. Apesar disso, Rita amava Yasmin, porque Yasmin só estava doente, com água nos pulmões, vovô disse rindo.
                A cozinha encontrava-se sozinha, apenas o chiado da panela de pressão e o vapor que saía pela frestinha que a mãe de Ana Rita deixara na panela do macarrão faziam presença, dançava fantasmagoricamente  pelo recinto preenchendo a casa toda, aquele vapor com um cheiro bom de alho refogado. A panela de pressão estava segura, não iria explodir, porque estava em fogo baixo e dava tempo de acabar de dar banho em Ana Rita, Aninha para essas ocasiões.  Seus cachinhos estava ainda úmidos, mas estava limpinha, sua mãe a carregava no colo, com a toalha úmida no braço esquerdo, e Aninha carregava Yasmin imitando sua mãe. Yasmin cantava um musica que dizia que era hora de escorregar, mas não era hora, porque já estava anoitecendo e à noite tem bichos do lado de fora.
                - Não pode – disse Aninha depois de ser colocada no chão da cozinha. - Tem que esperar a janta e ir dormir, não é mãe?
                - É mesmo! – respondera ela, estendendo a toalha no encosto de uma cadeira ao lado do fogão.
                 - Tá cheirando gostoso mãe, ta dando até coisinha nos olhos. Minha professora disse que cebola faz a gente chorar, é verdade? Eu quero ser cozinheira quando eu crescer, mas não quero chorar, porque quero fazer comida feliz igual a você, sabia, mãe? Cantando igual você faz sem abrir a boca. Por que a Yasmin não abre a boca para cantar, mãe?
                - Aham – respondera sua mãe sem dar atenção.
                Depois, Ana Rita voltara a atenção para Yasmin, que estava em seu colo. Apertava às vezes o botão para ouvir a música e se não gostava, apertava de novo para trocar. O cheiro de alho expelido pelos chiados ritmados pelo pino de escape da panela de pressão causava irritação nos olhos de Ana Rita, mas mesmo assim, ela preferia ficar ali na cozinha do que sozinha no seu quarto. Principalmente durante à noite, porque não havia luz do lado de fora, os Astley moravam longe da cidade.
                - Vai demorar muito pro papai chegar?
                - Daqui a pouco ele já chega aí – respondera sua mãe interrompendo alguma musica que estivesse murmurando. Depois voltara a ela.
                Não deu muito tempo, Ana Rita começara a bocejar porque ficava sempre com sono depois do banho - principalmente a essa hora da noite, mas raramente dormia antes de seu pai chegar -, e a fechar os olhos por causa do cheiro de alho que adentrava suas narinas.
                (quero fazer comida feliz igual a você, sabia, mãe? Cantando igual você faz sem abrir a boca.)
                Sua respiração ficara mais calma e de repente, piscou os olhos e se viu diante da parede, justo onde sua mãe estava, mas acordara do cochilo ao que a cabeça despencou sobre o próprio peito. Yasmin estava displicente a sua frente, Aninha puxava a saínha de seu vestido encardido e sujo de tão velho, estava pescando de sono, pensou em apertar o peito da boneca novamente, mas antes que pudesse fazê-lo, dormira. E entrara no seu primeiro estado de ilusio-criatividade.
                Subitamente, era sua mãe e vestia-se do mesmo jeito que a mãe fora do sonho. Nada era diferente na verdade, tirando o fato de que o pino da panela não se mexia e que o vapor flutuava preguiçosamente da panela de maneira padrão, muito estranha, mas no sonho não reparara nisso, eram apenas imagens do cenário. Zanzava um pouco para lá e para cá e quase queimara a mão na panela, se não fosse a guinada do carro de seu marido (pai) do lado de fora, com um tranco perceptivelmente inesperado. Ela foi até a pia e lavou as mãos com detergente, secou-as com uma toalha do lado da torneira e foi andando em direção a porta, papai chegara e Aninha sentiu algo um pouco forte para sua idade, uma sensação de amor não familiar, mas apaixonante mesmo. Era assim que mamãe sentia-se diante de papai, ela amava ele. Ouviu-se a porta do carro abrir do lado de fora, o carro de papai era bem velho e cheirava mofo, mamãe disse que custou mil dólares, e aninha disse que isso era um dinherão. Houve alguns palavreados altos e bruscos, um pouco arrastados. A porta do carro fechou com força exagerada e Ana Rita (sua mãe) sentia seu coração acelerar um pouco.
                - Nojenta! – gritara papai do lado de fora. – Nojenta.
                Ela fora se aproximando da porta, ouviu claramente um tilintar pesado e forte, e antes que sua mão já um pouco trêmula pudesse abrir a porta, ela fora escancarada como que se arrombada por corpo, pelo corpo cambaleante de papai. Ouviu-se a dobradiça enferrujada quebrar e seu pino tocar o chão com um estalido seco. Ela olhara para trás, mas o barulho não despertara sua filha, ela dormia com a bonequinha no colo. Mas ela era sua mãe, também. TAMBÉM.
                Um cheiro de álcool puro saia do corpo dele, impregnando o ar mais que o alho, ele tinha pressão alta e estava vermelho e suava, algumas gotículas brotavam de suas têmporas, era bem maior que sua mãe. Mas naquela perspectiva, seu pai parecia bem menor do que estava acostumada a ver, porque agora ela via com os olhos de sua mãe. Ela tentou buscar a porta, mas ela estava caída, forçando as outras dobradiças. O pai de Ana Rita tocou sua mão direita de forma violenta, mas ela desvencilhara-se e recuara para mais próximo do fogão, buscando a panela com água quente para atacar nele. Aninha não tinha consciência nenhuma dos movimentos.
                - Não , por favor, não! –  insistia na voz de sua mãe, o choro era evidente, ela tentava se proteger com os braços nus, olhando com pavor para a mão esquerda de papai, que carregava uma corrente grossa. – Nossa filha, por favor, nossa filha.
                - Nojenta, mulher nojenta! – era só isso que ele falava naquela vez.
                A mãe recuava mais alguns passos, se encurralando na parede, ao lado da geladeira. Na parede da esquerda, o corpo de Aninha jazia adormecido, em coma, Yasmin tinha os olhos abertos, ela presenciava tudo.
                - Sua vadia nojentinha.
                - Não!
                - FILHA DA PUTA!
                - PARA! – gritara ela com sua voz aguda e amendrontada.
           Um movimento rápido, o cheiro de álcool, suor, ferro e alho misturados no ambiente. A corrente correu silvando no ar pesadamente na mão esquerda de papai. De repente, era como se fosse duas. Havia a própria visão de volta, ela sentada, com o rosto cheio de lágrimas (cebola faz a gente chorar, é verdade?), Yasmin contemplando o teto vazio, nenhuma lágrima em seu rosto diante dela - mas com o susto, Aninha apertara o botão e ela desatara a cantar um musica de ninar e piscar os olhos. E havia ao mesmo tempo a visão da mãe, e súbito, essa se apagara depois de uma pancada que papai acertara na região da nuca - pois ela virara-se instintivamente para se proteger - e caíra no chão. Nunca mais poderia andar. Havia perdido o movimento das pernas. Ana Rita também desacordara e esquecera tudo, exceto quando sonhara com aquilo novamente aos treze anos ao  adormecer após escutar a musica de ninar de Yasmin.
                Era uma noite de 15 de novembro de 2008 a primeira vez que a lembrança voltara. 

2

               
                - Você está bem?... Rita? – Havia  apenas o  espectro de Linda vertiginoso sentado em sua frente, haviam outros estudantes que ela mal conhecia a sua volta, porém não dava para perceber que eram outros estudantes, na verdade, para Rita, havia qualquer pessoa a sua frente.
                - Ela está abrindo os olhos – escutou uma voz grave falando, mas que sequer compreendera uma fala. Parecia-se com aquela voz engasgada de...
                - Yasmin? – dissera ela com uma voz muito fraca.
                - Não! Sou eu, a Linda, Rita! Levante-se! Você tá melhor? Ah, meu Deus.
                - Como é que você sabe? – murmurou no mesmo tom enfraquecido, depois esboçara um sorriso e uma risadinha.
                - O que é que ta acontecendo com ela? – falou Linda olhando para trás, depois voltou-se para o rosto da amiga. - Rita? Não desmaie está bem? Foram chamar a enfermaria. Você tem sempre isso?
                Um garoto do quinto semestre de Química, a qual ela conhecia por John, mas sabia que esse não era seu nome de verdade, era algo a ver com Petter, ou seria ao contrario?, sentou-se ao seu lado.
                -Hei, hei – disse ele estalando os dedos diante dos olhos de Rita, que percorriam todos os lados, não de maneira convulsa, mas como se o fizesse conscientemente.
                - Alex! – disse ela abrindo um sorriso, mas sem olhá-lo de fato. Era esse seu nome, mas havia algo mais. – Você tem que beijá-la logo. É a terceira vez que tenta e nunca muda. Você vai ver, você consegue, ela é só um pouco lerdinha – terminou e deu outro sorriso, seus olhos dançavam.
                - O que há com ela? – perguntou Alex.
                - Não sei, a gente estava andando, aí ela apertou meu braço com força – ela mostrou o braço esquerdo, havia um hematoma roxo, no formato de pontas de dedos – e caiu do meu lado, dizendo coisas estranhas, mas sem sentindo, não como agora. Aí eu  trouxe ela para sentar-se na parede.
                - Não tem problema, Linda, seu cachorro sempre volta depois de dois dias, você só tem quem prendê-lo antes que persiga o... – parou de repente, abrindo suas pálpebras absurdamente, lágrimas começaram a sair em feixes correndo seu rosto. -... não merece isso.
                Lá de trás, vinham quatro rapazes correndo vestidos de branco, carregando uma maca. Alex levantou-se e ficou pronto a dar um auxílio se precisasse. Eles chegaram, e notaram Rita sentada.
                - Com licença, abram espaço, por favor, com licença, moça – falou um rapaz de aparentes vinte e dois anos de um e oitenta, abrindo espaço entre os curiosos, olhos verde claros, e com um mínimo de cabelos, ele raspava desde que tornara-se calouro na universidade cinco anos atrás, às vezes deixava uma barba, agora, porém, ela estava feita, bordado na aba do bolso de seu jaleco, em verde, estava escrito Mattew, seu nome. Ele chegara antes dos outros três, eles vinham logo em seguida, Linda dera espaço para ele. - Ela está melhor? – perguntou ele a Linda. Agachou-se e segurara no rosto de Rita, tentando trocar os olhares com ela em vão. – Hei, moça, está bem? Céus, Bill, ela está ardendo em febre. Você se alimentou direito? Moça? Consegue me ouvir?
                Rita desatara a dar uma gargalhada divertida, Matthew levantou-se para ajudar a desmontar a maca. Bill e os outros auxiliaram a levantá-la, ela continuava dando uma risada gostosa. Alex ficara estático ao seu lado com um rosto preocupado, algo mexera com ele, depois fitou Linda e voltou-se para Rita novamente, a gargalhada correndo como se aquilo fosse a melhor piada do mundo.
                - Ela tomou alguma coisa? – perguntou Bill para Linda num tom baixo. – Tipo... alguma droga, entorpecente ou coisa parecida, algum remédio?
                - Não, não... quero dizer, não que eu saiba, ela não me disse nada. Ela estava o tempo todo comigo. Vimos a aula de psicologia juntas e...
                - Venha com a gente.
                Os rapazes a levavam com a maca para a enfermaria, os curiosos dispersaram-se como formigas que perdem o doce, Alex sobrando, olhando os rapazes levarem Rita, a gargalhada correndo solta.
                Rita queria fazer psicologia desde a oitava série, porque achava que assim como ela, podia fazer os outros se recuperarem. É claro que Ashley Smith a influenciara. Ashley cuidava de Rita desde que aquilo acontecera em sua casa e ficara abandonada. Ashley era muito negra, havia puxado o avô, um Sul Africano orgulhoso e mesquinho, descontente com a vida. Ashley tinha um corpo lindo, sempre usando saltos que a deixavam mais esbelta, usava sempre os cabelos trançados para trás e, não esse, mas o outro penteado, o preferido de Rita, tinha dreads caindo-lhe nos ombros, hoje em dia, eles são mais comportados.
                A vida de Rita, depois do que aconteceu naquela noite em sua casa, mudara drasticamente, pois fora adotada por uma família de classe média do centro, ainda na mesma cidade. Sua mãe, no entanto, ainda permanecera viva, mas sem condições de cuidar dela, mas Rita estava ciente de quem era sua mãe biológica, mas não entendia – nem procurava entender – porque ela era tão distante ou porque não andava. Aparentemente, as memórias do ocorrido, por grande sorte, haviam-se apagado, sem deixar traumas ou seqüelas no comportamento de Rita, mas Ashley passou a acompanhá-la desde seus cinco anos, no primeiro dia de setembro, uma semana depois de seu aniversário, dia 24 de agosto. Ashley achou melhor não contar tudo o que aconteceu diretamente, e fazer desenvolver-se junto com a compreensão e maturidade, o conhecimento de Rita sobre tudo aquilo, a corrente batendo em cheio na medula de mamãe, ela nunca mais andaria depois daquele dia.
                Rita gostava de dizer que tinha três mães, a sua, deitada na maca no Hospital a  quarenta quilômetros de casa, sua mãe adotiva e Ashley, quanto sua consideração paterna, não considerava seu pai adotivo como tal, não tinha notícia de seu pai legítimo, e perdera a fé em Deus (o Homem lá de cima) aos 11 anos, Ashley sempre a influenciara a crer no que achava melhor, nunca interveio na opção de Rita.
ara.  
(O Sub 2 ainda continua)

quarta-feira, 7 de março de 2012

Conto 1 - Inconsciência


Dedico este conto 
  à Fernanda Paes.
Espero que goste, Fer.
Gota... você é do caralho, cara.
Depois te explico.

Inconsciência.

                       
I
            - EU TE AMO.
Embora nada comece aqui com essa frase, ela foi fundamental para que o desfecho se fizesse. Ao dizê-lo, se visse o reflexo empalidecido pelo feixe prateado da lua no vidro da janela no quarto se espantaria com o próprio sorriso, mas agora não importava. Havia conseguido o que queria. Estava feito.
Érica Gordon sentada numa cadeira na calçada da Coffey’s o viu atravessando a rua apressadamente. Ele olhava para trás por cima do ombro antes de sumir na esquina, seu moletom preto aberto que ia até o meio das coxas, o capuz caído nas costas balançando às passadas rápidas. Ela levantou-se, mexeu casualmente os óculos escuros, pegou a bolsa e examinou o ambiente, tomou o mesmo curso do rapaz atravessando a faixa de pedestres, a sombra longa sumindo e misturando-se às demais.
Não era a primeira, quinta ou décima vez que ele o fazia. Não parava para observá-lo sempre – na verdade era a primeira vez que o fazia de propósito-, mas já o havia visto e simplesmente achara curioso. Ele seria tomado como um drogado ou traficante considerando o lugar em que jogava displicentemente o saco de papel naquele lugar escuro, entre as casas, com intervalo mínimo de um metro para passar, contaminado por lixo,  e voltava a andar com as mãos nos bolsos do jeans. Era sempre num saco de papel, daqueles, de balas de cinco centavos que se acha aos montes nas calçadas de escolas. Aliás, era de lá que ele conseguira tantos.
Atravessou a rua, procurando-o em meio aos pedestres, observando se ia para o lugar de sempre. E ele ia. Ele olhou para trás, certificando-se de que ninguém estava no seu encalço. Embora Érica estivesse, não era exatamente ela que ele procurava, talvez nem soubesse quem ela era. Sem preocupação de ser notada ou não, continuou caminhando pela calçada. Perdê-lo de vista agora não faria diferença. Ela sabia exatamente para onde ele iria.
Não havia motivos óbvios para que ele o fizesse. Mais estranho ainda é o fato de que ele não era – de certo modo - um ladrão. Ele apenas pegava tudo, deixava a troca e ensacava no papel, mas Érica queria ter certeza e se a tivesse, precisaria se aproximar dele. Vale a pena, pensou ela seguindo o caminho, vou conseguir, concluiu sentindo um riso fino esboçar-se na face. Ele desapareceu atrás do muro branco de uma casa ao dobrar a esquina.


II

- A QUESTÃO É quem matou quem – disse o policial Andersen tirando os olhos da janela de seu escritório, cruzando o olhar com seu parceiro Clyde, fazendo uma pausa- ... se é que houve morte – disse concluindo. Recostou o cotovelo na mesa, depois deixou as mãos no queixo, realmente conjeturando hipóteses.
Ao que notou nos olhos de Clyde, ele mencionara o obvio.
- Houve morte, Watson, e nós dois sabemos disso. E não tem questão alguma. O assunto não é  mais nosso. – Falou depois dando um suspiro. – Você tem mais Plets?
Andersen desajeitado esticou a perna no azulejo recém aromatizado comprimindo-se no espaldar de espuma de sua cadeira e arrancou os saquinhos do bolso e arremessou duas embalagens azuis retirando uma para si. Odiava aquele cheiro de lavanda, dava dores de cabeça. Principalmente quando ia escrever alguma ocorrência.
- Tenho que terminar o relatório – comentou Clyde mais para si mesmo que para Andersen. Gostava bastante de Andersen, mas no momento não estava com paciência para brincar de personagem de Conan Doyle, só queria um pouco de sossego antes do próximo telefonema.
- Ao que consta, os dois se encontravam no apartamento da senhorita... – ergueu os olhos para a papelada em cima da mesa, puxando um documento – Gordon, às quintas à noite, mais frequentemente às 22h. Aquele puto comia ela, na certa.
Clyde dera um suspiro de impaciência, os antebraços recostados nos joelhos, inclinado para frente.
- Você está louco para depor no jornal, não é? – perguntou em tom de zombaria mascando as pastilhas. Andersen mostrara um riso, cogitando a idéia inclinando a cabeça para o lado.
Erguendo-se da cadeira, deixando o plástico do chiclete no canto da mesa, Clyde ajeitou antes de sair o relógio redondo cuja figura de um cão, conforme o angulo que tomasse, mudava de posição.     Andersen fora adestrador de cães antes de ser policial.
Andersen continuara divagando, olhando para outra mulher de calça de lycra que passava correndo pela calçada ao lado do gramado.     - Sabe, cara, ainda estão procurando um dos corpos pelo menos. Só havia roupa no chão o que não prova nada – especulou ainda olhando através do vidro escuro, Clyde o deixara só. – Clyde?

III

Porém, ao Gordon dobrar a esquina passando pelo muro branco, notara que o homem subitamente sumira. Retirou os óculos escuros olhando para trás e depois para frente, procurando-o na rua deserta. Um calafrio passou pelo seu corpo. Então correu até o lugar em que ele levava os sacos de papel, segurando os óculos escuros na mão. Não viu ou ouviu nada na penumbra daquele beco a não ser a janela com uma atmosfera sinistra na parede esquerda com seu vidro temperado empoeirado. Com apenas seu olfato notara o mofo e fezes de rato que propagavam um cheiro nauseabundo. Ele possivelmente está lá dentro, pensou ela olhando o vitral fechado, procurando movimento no lado de dentro.
Escutou alguém atrás de si e viu a sombra projetada na parede, cobrindo a sua. Uma mão pesada pousara em seu ombro.
Seu coração dera um estalo e desatara a acelerar dando-lhe a sensação de formigamento no corpo inteiro, os joelhos vacilaram e a pressão caíra. Quase soltou um grito, mas uma bolha que subira estômago acima entalara a garganta. Ao que rodou nos calcanhares, viu as paredes das casas tremerem na visão enfraquecida, foi tudo em câmera lenta.         Vislumbrou a rua deserta se sentindo insegura e tonta, a visão periférica  desenhando a imagem da blusa negra e um sorriso no rosto dele. Virou por completo, fora seguida e enganada. Estava sério. Exalava um perfume cítrico que pelo susto ou não, dera-lhe uma estranha sensação de prazer.
Eles se encontraram.

IV

Quando criança, era mais fácil controlar o ímpeto. Ele apenas ficava fitando hipnoticamente quando estava próximo, arranhando qualquer plataforma, contendo-se, mordendo o lábio inferior com força. Seus momentos de tortura o deflagravam quando ia sozinho até o centro da cidade no ônibus, desviava o olhar para a paisagem que corria ao lado de fora, procurando pensar em outra coisa para abstrair o som interior e não fazer nada errado. Porém, com o tempo já não hesitava, seu preparo fora fraquejando. A primeira vez que o fez porque queria, sentiu a euforia de um viciado em crack ao abrir o pacote com a droga.
Seus pais sempre souberam que ele tinha aquele problema do apego compulsivo por alguém, que o Dr. Henry julgara como uma espécie de boderline, entretanto, nunca identificaram o outro problema, pois ele se policiava próximo aos outros.
- O transtorno que o filho de vocês sofre, senhor e senhora Zimmer, é um tanto delicado – fez uma pausa arrumando os óculos, organizando mentalmente o prognóstico. - Temos de ser bastante rígidos e disciplinados, para que possamos curá-lo com eficácia. Afastem o cão antes que ele o mate ou receba uma mordida que possa traumatizá-lo, pois continuará fazendo de vítima o animal enquanto não darem a atenção que quer, e realmente não devem fazê-lo.
Fez uma pausa colocando o jaleco branco como osso, os óculos fundo-de-garrafa pendentes no nariz fino.
- Ele precisa de uma independência. Vou utilizar um método, que tal como os responsáveis pelo meu último paciente, cuja síndrome era menos crucial, acharão cruel.
Os pais dele concordaram assentindo com a cabeça.

***

Allex Zimmer passara a freqüentar a terapia intensiva internado na clínica do Dr. Henry. Depois de quatro meses ele já estava pronto para viver novamente. Havia queimaduras em seu corpo.
- Devem manter longe dele os utensílios cortantes. Em casos como o boderline, a pessoa pode tentar manipular o próximo, mas agora, reduzi o ponto fraco a 2% - demonstrou um sorriso de triunfo. A Sra Zimmer escondia a vontade de chorar.
Allex depois que fora morar longe dos pais, já estava curado hipoteticamente. As chances de ter a terapia quebrada, eram de 1%. Seu tratamento consistia em bloquear psicologicamente o maior apego, ensinado como agir e o que dizer nas mais variadas circunstancias gerando um desvio da atenção, porém, mesmo que o método impedisse, havia um ponto fraco. Infelizmente ensinar o método do desapego a Allex era necessário, um mal necessário, pensou o Dr. Henry ao ligar o dispositivo de choque. Do contrario ele poderia ter problemas sociais, tornar-se-ia um sociopata, provocando, na vida da pessoa em que sua compulsão adejaria suas garras, problemas sérios de convívio ou assassinatos, em casos crônicos.
- Não obstante, na psicologia existe o que chamamos de “válvula-de-escape”, como quando pessoas tristes escrevem elegias ou quando muito queremos algo e passamos a desenhar o objeto de desejo. Coloquem o garoto em aulas particulares de música, as artes marciais também ajudam a equilibrar o psicológico.
Era realmente bom no tatame, mas sempre recusava-se  a representar a equipe nos inter-escolares do ensino médio. Durante o tratamento, sua agressividade e distúrbios foram enterrados com 99,35% de eficácia: nunca mais torturara seu cachorro e nunca mais mandara a mãe tomar no cu. Depois de adulto nunca mais praticara. Consequentemente, voltara à sua verdadeira válvula-de-escape e passara a possuir sacos de papel. Era o menos suspeito a se fazer. Ele adorava sentir o peso dentro do saquinho.



V

Por volta das 17h ele saíra do trabalho tornando-se mais um membro do fluxo de pessoas, diversas pessoas cuja fisionomia nunca guardava, excetuando as moças do posto de gasolina mais próximo. O céu mostrava-se pouco manchado por nuvens, as poucas que haviam já assumiam o tom róseo do fim da tarde anunciado pelo sol o qual projetava compridas sombras pelo concreto das calçadas e asfalto.
Costumava-se a andar centrado nos próprios pensamentos olhando as chagas no chão, a blusa negra batendo os botões de pressão mal-fechados, aquele som de metal incomodava-o como o cheiro de fumaça. Pousou as mãos nos botões e os fechara com um click.
Allex que seguia sua tarde de maneira rotineira, iria para casa tomar um banho, depois sairia buscar um lanche, voltaria para casa e assistiria ao noticiário, no entanto, algo – ou melhor, alguém - mudara seus planos mais adiante. De súbito sentiu nos olhos o reflexo pálido congelando seus nervos subindo-lhe a sensação de adrenalina das pontas dos dedos até o antebraço, subindo até os ombros e transbordando no corpo, ele olhou, erguendo as sobrancelhas, fitando diretamente, estavam lá. Ele abriu um dos bolsos procurando alguma coisa e aproximou-se do posto de gasolina dando um passo mais largo diante da frentista, esta erguera o pescoço fitando-o dos pés à cabeça.
O motorista partiu dizendo alguma coisa a frentista, despedindo-se com uma buzinada breve, Zimmer seguindo o carro com o olhar. Depois voltou-se para Alice, a frentista loira com o boné de aba entortada e lábios salientes sem maquiagem alguma.
- Olá, Alice, como vão as coisas?
- Ótimas, Allex e com você? – perguntou ela olhando novamente para o chão, depois deu de ombros e pôs a olhá-lo com atenção.
Ele assentiu positivamente.
 - Soube que vão fechar o posto...
- É sim. O Sr. Moore vendeu o lugar para uma companhia imobiliária.
- Vi no jornal que vai ser algum prédio comercial – falou ele acenando para a outra frentista que estava atrás do capô levantado de um Chevrolet, ela acenou de volta com o medidor de óleo na mão.
- Pois é.
- Já sabe o que vai... – interrompeu-se como que se recebesse uma interferência no pensamento. - Escute, Alice, não vai atender o telefone?
- Mas ele não está... – o telefone começara a tilintar. – Como é que faz isso? É algum vidente? – perguntou ela rindo entrando no pequeno escritório atrás de si.
Ele ria também, mas seu motivo outro. Era melhor.
Ao que voltou, Alice veio dizendo:
- Alguma criança brincando de passar trote...
Mas ele já havia saído.

***

Agora andava apressadamente, algum senhor o vira e gritara para parar, ele olhara para trás e esbarrara em alguém, escutou o senhor chamando-o novamente e dobrara a esquina.
Estava com suas preciosidades, mexia com elas dentro do bolso, dentro do saquinho de papel amassado, depois, sem olhar diretamente, mas a vendo lá sentada na Coffey’s ele as soltara, retirando a mão do bolso do moletom. Continuou apressadamente, olhando para trás afim de certificar-se de que ninguém estivesse atrás, paranóico. Não era a primeira vez que ela o vira numa ocasião desta e sabia também que não era coincidência, voltaria mais tarde para casa hoje, ela o seguiria, não há importância, pensou ele.
Tenho que protegê-las, tenho que protegê-las, pensou. Dobrou a novamente a esquina, o sol batendo-lhe na face esquerda. Olhou para trás, viu que ela estava próxima.
 Essa desgraçada.
Passou a casa de muro branco e habilmente saltara muro adentro, agachando-se, fitando por entre as frestas minúsculas. A moça passou, ele pôde escutar. Notou que ela correra até onde seu tesouro estava enterrado. Correu furtivamente, ela estava de costas, subiu a cerca da casa vizinha, passou para a calçada, o deslizando, pisando do calcanhar ao peito do pé à ponta dos dedos, lentamente. Ao que chegou do lado dela, o fez tão rápido, inaudível, depois pousou pesadamente as mão no ombro delicado dela.
Ela virara-se bruscamente. Eles se fitaram.

VI

- Não precisa ficar assustada – disse ele a Érica, ainda sentindo seu ombro feminino e leve como uma pluma, tão delicado a maneira que todos as garotas deveriam ser. A maneira que eu gosto, pensara ele, mas não diga isso a ela. Ele tentara demonstrar um sorriso leve e simpático e os olhos dela ficaram mais calmos.
Aquele cheiro que deveria perturbá-la a recompôs, seu coração desacelerara, mas ainda pulsava fortemente, ela deu um passo para trás desvencilhando-se da pesada mão, agora, frente a frente ele parecia maior, chegava a ter 1,89 m.
Ele esperou ela dizer alguma coisa fitando-a, a rua estava deserta e já estava próximo de escurecer, havia uma vermelhidão à oeste, o semicírculo tornando-se uma mancha no céu propagando a luz rasteira. Ela permanecia em silêncio, mas já não aparentava estar mais assustada.
Zimmer sabia exatamente o que fazer, mas fora surpreendido:
- Vamos sair daqui, este lugar fede – disse ele sugerindo o caminho com a cabeça.
Por que ele está me tratando assim?, pensou ela olhando pelo rabo do olho e seguindo o caminho à esquerda, eu o segui, era para ele estar me fazendo um questionário, espero que não saiba o que pretendo, mas é claro que ele sabe!
-... azer. – ele estendeu a palma da mão a ela.
- Desculpe?
- Eu disse que meu nome é Allex Zimmer, muito prazer.
- Gordon, Érica Gordon – mas ela não pegou na mão dele, apenas ficara olhando adiante enquanto caminhava, refletindo.
O que Allex pensaria se ela dissesse que precisaria ir? Melhor não dizer nada, pensou, céus eu preciso sair dessa rua, no que fui me meter? Não! Vale a pena. Sei que vale.
                  - Sabe, eu não sou nenhum cara famoso – continuou ele colocando as mãos nos bolsos da calça, o vento quente vindo lentamente contra o rosto com um cheiro de poluição.
                  - Por que está dizendo isso?
                  - Porque está curiosa ao meu respeito. Não é a primeira vez que te vejo, entende? Sinto uma sensação de desconforto quando você fica me observando passar – disse olhando-a buscando alguma reação, era tão pequena ao seu lado.
                  Ele está estudando minha emoção, não vou dar-lhe o prazer de saber, mas e agora o que eu digo?, um resquício de nervosismo passara por sua coluna, arrepiando-a, mas ela controlou a reação.
                  Érica parou na calçada, a sua frente o horizonte semi-estrelado semi-ensolarado, as sombras na rua perdendo forma e força, ele prosseguira mais dois metros a sua frente depois virou-se para fitá-la, atrás dela, a rua deserta parecia prosseguir quilômetros.
                  - Algum problema? – disse ele voltando um passo, o cenho franzido.
                  - Me beije.
                  - O que está dizendo? O que diabos está dizendo, Érica?
                  - Me beije agora – ela aproximou-se, erguendo o pescoço sentindo o perfume cítrico, excitando-se.
                  Ele estava perplexo, o cenho ainda franzido,  ela passou a mão por dentro da blusa e o abraçou, o rosto voltado para cima fitando-o, ela era mais baixa, ele sentia a delicadeza de suas mãos tocando-o.
                  O que diabos está acontecendo, Allex?, perguntou-se. Sentiu-se incomodado por dentro da cueca a media em que ela acariciava suas costas.
                   Por que ela está fazendo isso? Eu deveria? Imagem do Dr. Henry segurando o dispositivo elétrico aparecera em sua mente.
                  Por dentro, Érica sorria, seu plano começara. Iria ter certeza.

                                                                                 VII

                  O chão do apartamento de Érica Gondon estava recém encerado, a madeira reluzia o reflexo da luz que vinha do lado de fora, o cômodo estava escuro.
                  Hunton fazia anotações ao lado do portal de entrada. Junto ao seu distintivo no peito esquerdo, pendia um broche de gratificação – o que lhe rendeu uma boa recompensa – de um caso que havia resolvido dois anos antes. Lá embaixo Andersen era impedido de entrar, pois o caso não era seu. Hunton escolheu caso fechado quando aceitou a proposta, mas Andersen estava pouco se fodendo para isso, estava disposto a fazer sozinho com os próprios métodos, ele ainda tinha a esperança de ser reconhecido na Equipe de Inteligência.
                  O cômodo da sala estava arrumado de maneira impecável, Hunton descreveu em seu relatório que o possível homicídio não ocorrera ali, mas não descartou a hipótese de que se permaneceram ali no início da noite, muito embora, ao acabar de acender a luz para descrever as últimas linhas notou uma peculiaridade nela, corrigiu a parte do relatório citando que haveria 80% de chance de que eles não haviam permanecido ali.
                  Hunton caminhou pela sala passando pela poltrona que admirara, invadindo um pequeno hall cuja a porta a direita levava a um banheiro onde foram achadas duas camisinhas na pia com as bolsas de sêmen cheias. Depois, chegou ao quarto onde antes encontrara roupas jogadas no chão ao pé da cama desarrumada. Nos lençóis encontraram o sangue dela o qual fora certificado por um este de DNA, porém a quantidade era mínima. Ela sangrara durante o sexo, isso não fazia de Allex Zimmer um culpado. Ao recordar-se disso, voltou as páginas na prancheta, confirmando a idade de Érica: 19 anos.
                  O policial andou até a janela que propagava o reflexo no chão polido e olhou para fora guardando no bolso do uniforme a caneta, o que viu foi a paisagem da cidade, ali do oitavo andar era possível ver o completo movimento da rua 81 onde comprava o capuccino na Coffey’s  antes de ir fazer o relatório do caso Zimmer Gordon.
                  Lá embaixo, Andersen não poderia subir para trocar uma palavra com o Sr. Hunton e ficara com raiva. Clyde também não o ajudava em nada. Ele tinha alguma idéia onde encontrar – morto ou vivo – Allex Zimmer, mas ninguém o escutava.
Eu posso ir preso e ser exonerado, mas descubro onde estão os filhos da puta, pensou saindo da calçada do prédio.
                  Hunton voltou-se da janela e viu algo embaixo da cama, agachou e retirou o saco de papel, amassando-o e guardando no bolso. Nas mãos de Andersen aquilo faria mais sentido; nas mãos de Allex mais ainda e com um sorriso no rosto.

*Continua*